GUARDA COMPARTILHADA
"se não
houver acordo, o juiz é quem irá fixar a guarda. Neste caso, qual é a espécie
de guarda que o magistrado deverá determinar?"
ESPÉCIES DE GUARDA
Existem quatro espécies de guarda que
serão vistas abaixo. As duas primeiras estão previstas expressamente no Código
Civil e as duas outras são criações da doutrina.
Art. 1.583. A guarda será unilateral
ou compartilhada.
a) Unilateral
(exclusiva):
Ocorre quando o pai ou a mãe fica com
a guarda e a outra pessoa possuirá apenas o direito de visitas.
Segundo a definição do Código Civil,
a guarda unilateral é aquela “atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o
substitua” (art. 1.583, § 1º).
Ainda hoje é bastante comum.
Ex: João e Maria se divorciaram;
ficou combinado que Maria ficará com a guarda da filha de 5 anos e que o pai
tem direito de visitas aos finais de semana.
Vale ressaltar que, mesmo sendo
fixada a guarda unilateral, o pai ou a mãe que ficar sem a guarda continuará
com o dever de supervisionar os interesses dos filhos. Para possibilitar tal
supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar
informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou
situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a
educação de seus filhos (§ 5º do art. 1.583).
b) Compartilhada
(conjunta):
Ocorre quando o pai e a mãe são
responsáveis pela guarda do filho.
A guarda é de responsabilidade de
ambos e as decisões a respeito do filho são tomadas em conjunto, baseadas no
diálogo e consenso.
O instituto da guarda compartilhada
teve origem na Common Law, do Direito Inglês, com a denominação de joint
custody. Porém, foi nos Estados Unidos que a denominada “guarda conjunta”
ganhou força e se popularizou.
Segundo o Código Civil brasileiro,
entende-se por guarda compartilhada “a responsabilização conjunta e o exercício
de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto,
concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (art. 1.583, § 1º).
É considerada a melhor espécie de
guarda porque o filho tem a possibilidade de conviver com ambos e os pais, por
sua vez, sentem-se igualmente responsáveis.
Vale ressaltar que nessa espécie de
guarda, apesar de tanto o pai como a mãe possuírem a guarda, o filho mora
apenas com um dos dois.
Ex: João e Maria se divorciaram;
ficou combinado que a filha do casal ficará morando com a mãe; apesar disso,
tanto Maria como João terão a guarda compartilhada (conjunta) da criança, de
forma que ela irá conviver constantemente com ambos e as decisões sobre ela
serão tomadas em conjunto pelos pais.
E se os pais morarem em cidades
diferentes? A Lei estabeleceu que a cidade considerada base de moradia dos
filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos (§ 3º do art.
1.584).
Tempo de convivência
Na guarda compartilhada, o tempo de
convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o
pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos (§
2º do art. 1.583).
Orientação técnico-profissional
Para estabelecer as atribuições do
pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de
ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação
técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão
equilibrada do tempo com o pai e com a mãe (§ 3º do art. 1.584 do CC).
Assim, com a ajuda de psicólogos,
assistentes sociais e outros profissionais, o juiz já deverá estabelecer as
atribuições que caberão a cada um dos pais e o tempo de convivência com o
filho.
Ex: João irá buscar o filho no
colégio todos os dias às 12h; no período da tarde, a criança continuará na
companhia do pai e, às 18h, ele deverá deixá-lo na casa da mãe.
c) Alternada:
Ocorre quando o pai e a mãe se
revezam em períodos exclusivos de guarda, cabendo ao outro direito de visitas.
Em outras palavras, é aquela na qual
durante alguns dias a mãe terá a guarda exclusiva e, em outros períodos, o pai
terá a guarda exclusiva.
Ex: João e Maria se divorciaram;
ficou combinado que durante uma semana a filha do casal ficará morando com a
mãe (e o pai não pode interferir durante esse tempo) e, na semana seguinte, a
filha ficará vivendo com o pai (que terá a guarda exclusiva nesse período).
“Essa forma de guarda não é
recomendável, eis que pode trazer confusões psicológicas à criança. Com tom
didático, pode-se dizer que essa é a guarda pingue-pongue, pois a criança
permanece com cada um dos genitores por períodos ininterruptos. Alguns a
denominam como a guarda do mochileiro, pois o filho sempre deve arrumar a sua
malinha ou mochila para ir à outra casa. É altamente inconveniente, pois a
criança perde seu referencial, recebendo tratamentos diferentes quando na casa
paterna e na materna.” (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume
único. São Paulo: Método, 2013, p. 1224).
d) Aninhamento
(nidação):
Ocorre quando a criança permanece na
mesma casa onde morava e os pais, de forma alternada, se revezam na sua
companhia.
Assim, é o contrário da guarda alternada,
já que são os pais que, durante determinados períodos, se mudam.
Ex: João e Maria se divorciaram;
ficou combinado que a filha do casal ficará morando no mesmo apartamento onde
residia e no qual já possui seus amiguinhos na vizinhança. Durante uma semana,
a mãe ficará morando no apartamento com a criança (e o pai não pode interferir
durante esse tempo). Na semana seguinte, a mãe se muda temporariamente para
outro lugar e o pai ficará vivendo no apartamento com a filha.
Defendida por alguns como uma forma
de a criança não sofrer transtornos psicológicos por ter que abandonar o meio
em que já vivia e estava familiarizada. Apesar disso, é bastante rara devido
aos inconvenientes práticos de sua implementação.
A palavra “aninhamento” vem de
“aninhar”, ou seja, colocar em um ninho. Transmite a ideia de que a criança
permanecerá no mesmo ninho (mesmo lar) e os seus pais é quem se revezarão em
sua companhia.
Como já dito acima, o Código Civil
somente fala em unilateral ou compartilhada (art. 1.583), mas as demais
espécies também existem na prática.
DEFINIÇÃO DA GUARDA
Como é definida a
espécie de guarda que será aplicada?
O ideal é que a guarda seja definida
por consenso entre o pai e a mãe. Por isso, o Código Civil determina que seja
feita uma audiência de conciliação. A Lei também afirma que o juiz deverá
incentivar que os pais façam um acordo adotando a guarda compartilhada:
Art. 1.584 (...) § 1º Na audiência de
conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda
compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos
aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.
Se mesmo assim não houver acordo, o
juiz irá fixar a guarda de forma compulsória.
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou
compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai
e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio,
de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção
a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo
necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
Em regra, o juiz
não deve conceder a guarda sem ouvir a outra parte
A decisão sobre guarda de filhos,
mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas
as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir
a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte (art. 1.585 do CC).
GUARDA COMPARTILHADA COMO REGRA
Vimos acima que, se
não houver acordo, o juiz é quem irá fixar a guarda. Neste caso, qual é a
espécie de guarda que o magistrado deverá determinar?
REGRA: guarda compartilhada.
O Código determina que, quando não
houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, o juiz deverá
aplicar a guarda compartilhada (art. 1.584, § 2º).
EXCEÇÕES:
Não será aplicada a guarda
compartilhada se:
a) um dos genitores declarar ao magistrado
que não deseja a guarda do menor;
b) um dos genitores não estiver apto
a exercer o poder familiar.
A doutrina em geral
aplaude essa solução legal?
Não. Isso porque a lei impõe aos pais
algo que, na prática, não funciona se não for consensual.
A guarda
compartilhada exige como pressuposto que haja um mínimo de convivência
harmônica entre os pais, já que as decisões a respeito do filho deverão ser
tomadas em conjunto, com base no diálogo e consenso.
Ora, se os pais da criança não gozam
de uma relação harmoniosa, é extremamente improvável que consigam dialogar e
decidir, de forma amistosa, pontos conflituosos em relação ao filho, como, por
exemplo, a escola em que ele irá estudar, o tempo que cada um passará com a
criança, as obrigações de cada genitor etc.
Na guarda compartilhada muito pouco
adianta que tais cláusulas sejam impostas pelo juiz porque o Poder Judiciário
não terá condições de acompanhar, no dia-a-dia, o cumprimento de tais medidas e
a sua efetividade será mínima se não houver disposição e compromisso dos pais
em respeitá-las.
Enfim, apesar de a guarda
compartilhada ser a espécie ideal, ela tem que ser conquistada com a
conscientização e nunca pela imposição, o que gerará um efeito inverso e talvez
acirre o relacionamento já desgastado dos pais da criança.
A guarda
compartilhada depende da concordância dos genitores? Ex: o pai deseja a guarda
unilateral e a mãe também; nenhum dos dois quer a guarda compartilhada; mesmo
assim, o juiz pode determinar esta espécie de guarda?
SIM. A implementação da
guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores. Em
outras palavras, a guarda compartilhada é a regra, independentemente de
concordância entre os genitores acerca de sua necessidade ou oportunidade (STJ.
3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
21/06/2016.
O § 2º do art.
1.584 afirma que “encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder
familiar”, será aplicada a guarda compartilhada. O que significa essa
expressão: “genitores aptos a exercer o poder familiar”? Quando o genitor não
estará apto a exercer o poder familiar?
Ainda não há uma posição tranquila
sobre o tema. No entanto, segundo a Min. Nancy Andrighi, o genitor somente pode
ser considerado inapto para exercer o poder familiar se, antes da ação onde se
discute a guarda, tiver havido uma decisão judicial determinando a suspensão ou
a perda do poder familiar. Veja:
A
guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada quando houver inaptidão de
um dos ascendentes para o exercício do poder familiar, fato que deverá ser
declarado, prévia ou incidentalmente à ação de guarda, por meio de decisão
judicial.
STJ.
3ª Turma. REsp 1.629.994-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/12/2016 (Info
595).
Assim, para a Ministra, a guarda
compartilhada somente não será aplicada em dois casos:
1) se o genitor declarar que não
deseja a guarda do menor;
2) se houver uma decisão judicial
suspendendo ou determinando a perda do poder familiar do genitor (inaptidão
para o exercício do poder familiar).
Nas palavras da Ministra, “um
ascendente só poderá perder ou ter suspenso o seu poder/dever consubstanciado
no poder familiar por meio de uma decisão judicial e, só a partir dessa
decisão, perderá a condição essencial para lutar pela guarda compartilhada da
prole, pois deixará de ter aptidão para exercer o poder familiar." (REsp
1629994).
O § 2º do art. 1.584 somente admite
duas exceções em que não será aplicada a guarda compartilhada. A interpretação
desse dispositivo pode ser relativizada? É possível afastar a guarda
compartilhada com base em peculiaridades do caso concreto mesmo que não
previstas no § 2º do art. 1.584 do CC?
O STJ está dividido, havendo decisões
em ambos os sentidos:
1ª) NÃO. Pela redação do art. 1.584
do CC, a guarda compartilhada apresenta força vinculante, devendo ser
obrigatoriamente adotada, salvo se um dos genitores não estiver apto a exercer
o poder familiar ou se um deles declarar ao magistrado que não deseja a guarda
do menor. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1626495/SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 15/09/2016.
2ª) SIM. As
peculiaridades do caso concreto podem servir como argumento para que não seja
implementada a guarda compartilhada. Ex: se houver dificuldades geográficas
(pai mora em uma cidade e mãe em outra, distante). Isso porque deve-se atentar
para o princípio do melhor interesse dos menores. Assim, as
partes poderão demonstrar a existência de impedimento insuperável ao exercício
da guarda compartilhada, podendo o juiz aceitar mesmo que não expressamente
previsto no art. 1.584, § 2º. A aplicação obrigatória da guarda compartilhada
pode ser mitigada se ficar constatado que ela será prejudicial ao melhor
interesse do menor. Nesse talante: STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/06/2016. Veja outro precedente
sustentando essa interpretação relativizada:
(...) 1. A guarda
compartilhada deve ser buscada no exercício do poder familiar
entre pais separados, mesmo
que demande deles reestruturações, concessões e
adequações diversas para que os filhos possam usufruir, durante a
formação, do ideal psicológico de duplo referencial (precedente).
2. Em atenção
ao melhor interesse do menor, mesmo na ausência de consenso dos pais, a
guarda compartilhada deve ser aplicada, cabendo ao Judiciário a imposição das
atribuições de cada um.
Contudo, essa regra
cede quando os desentendimentos dos pais
ultrapassarem o mero dissenso, podendo
resvalar, em razão da imaturidade de ambos e da atenção
aos próprios interesses antes dos do menor, em prejuízo
de sua formação e saudável desenvolvimento (art. 1.586 do CC/2002). (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1417868/MG, Rel.
Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/05/2016.
Simples animosidade
Vale ressaltar, ainda, e isso pode
ser cobrado em sua prova, que o STJ já decidiu que
A
simples animosidade entre os genitores e suas diferenças de ponto de vista
sobre a criação dos filhos não são impedimento para a fixação da guarda
compartilhada.
STJ.
3ª Turma. REsp 1626495/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/09/2016.
OUTROS TEMAS
A guarda pode ser
deferida para outra pessoa que não seja o pai ou a mãe?
SIM. Se o juiz verificar que o filho
não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa
que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de
preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade (§
5º do art. 1.584).
O exemplo mais comum dessa situação é
a guarda atribuída aos avós.
Dever de os
estabelecimentos públicos e privados prestarem informações aos pais
Seja
na guarda compartilhada, seja na guarda unilateral, tanto o pai como a mãe
possuem o direito de acompanhar e fiscalizar a educação e saúde de seus filhos.
Pensando
nisso, e a fim de evitar qualquer embaraço, o § 6º ao art. 1.584 do CC
determinou que os estabelecimentos públicos e privados são obrigados a fornecer
informações ao pai ou a mãe sobre a situação dos seus filhos. Veja:
§ 6º Qualquer estabelecimento público
ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os
filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00
(quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.
Essa
regra vale mesmo que o pai (ou a mãe) que esteja requerendo a informação não
detenha a guarda do filho. Ex: João e Maria divorciaram-se e a mãe ficou com a
guarda exclusiva da criança; determinado dia, João foi até o colégio de sua
filha para ter acesso às notas do boletim escolar, tendo a escola negado,
afirmando que somente a mãe poderia obtê-lo. Esse estabelecimento de ensino
poderá ser multado, na forma do § 6º do art. 1.584 do CC. O mesmo vale para um
hospital, por exemplo.
A multa deve ser cobrada na via
judicial, devendo o pai (ou a mãe) comprovar que fez a solicitação não
atendida.
Descumprimento das
regras
A alteração não autorizada ou o
descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada
poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor (§ 4º do
art. 1.584). Ex: ficou acertado que João tem o direito de ficar com sua filha
todos os sábados, devendo entregá-la à mãe no domingo às 8h; ocorre que ele
sempre leva a criança atrasado, chegando por volta das 12h; neste caso, a lei
prevê a possibilidade de ele ter reduzido este direito.
Fonte: Dizer
o Direito
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